terça-feira

V - James Stewart - Outro Sucesso e seu Único Casamento

Graças ao diretor Alfred Hitchcock, Jimmy teve a oportunidade de trabalhar no primeiro "teatro filmado" da história do cinema: Festim Diabólico (Rope). No filme, Farley Granger e John Dall, interpretando respectivamente Brandon e Phillip, são dois estudantes que resolvem pôr em prática a seu modo as teorias de Nietzche, o inventor da expressão Super-Homem, veiculadas pelo professor Rupert Caldell, Stewart, e matam um colega de classe, trancando seu corpo em um baú do apartamento, enquanto começam a chegar os convidados de um jantar preparado pela empregada, que nada sabe, em cima do baú onde está o defunto. Os convidados são os parentes do morto, sua noiva, o ex-namorado dela e o professor. Conforme a noite segue eles tentam provar suas teorias de que existem pessoas superiores a outras, o que justificaria a "eliminação" das inferiores. Em meio a debates aparentemente inocentes, a falta do amigo morto que também deveria ter vindo ao jantar se faz cada vez mais presente.

Rope
No início, o professor Rupert desconfia de um trote envolvendo o assassinado, sua noiva, e o ex dela, mas começa a mudar de opinião conforme Brandon defende veementemente seu ponto de vista e Phillip começa a entrar em pânico ao sentir as suspeitas do professor. Toda essa tensão vai seguindo até ficar insuportável (toda hora alguém quase abre o baú) e ser descarregada com a inevitável descoberta no clímax. Hitchcock filmou toda a história, sua primeira produção à cores, como se fosse uma única cena. Na verdade, ele filmava o máximo que um rolo de filme aguentava, uns oito minutos, então focalizava algum ponto escuro (como as costas de um personagem), enquanto trocava o rolo, garantindo assim a sensação de que a história corria em tempo real. Pode parecer um truque tosco hoje em dia, mas em 1948 era de uma ousadia experimental sem precedentes. Infelizmente, tanto Festim Diabólico (Hope) quanto a interpretação de James Stewart são bastante subestimadas.O filme não fez sucesso na época e, mesmo hoje, alguns relutam em classificá-lo junto às grandes obras de Hitchcok, de certa forma por uma dificuldade de compreender uma realização que usa a linguagem do teatro feita pelo diretor que talvez tenha sido o maior gênio da linguagem cinematográfica.

Pelo roteiro ter sido inspirado num caso real envolvendo um casal homossexual houve muita polêmica, fazendo o filme ser proibido em algumas cidades americanas. O professor também deveria ser homossexual, mas a censura vetou tudo isso e Hitchcock teve que se virar como pôde. Inicialmente o Professor Caldell seria vivido por Cary Grant, e o roteirista Arthur Laurentes critica James Stewart por ele não passar a sugestão homossexual e garante que Grant faria melhor, o que pra mim é um equívoco, pois Grant, imortalizado como um galã por quem as mulheres suspiravam no cinema, era homossexual na vida real e enfrentou muitos problemas na sua vida pessoal e profissional devido a isso. Portanto, mesmo que fizesse o filme é muito difícil acreditar que ele interpretaria o personagem desse jeito, tanto é que se recusou a participar da produção. O próprio roteiro sofreu diversas modificações devido a censura, então seria um equívoco culpar James Stewart por essa mudança de tom, que deixa a homossexualidade envolvendo o caso como algo velado. Quem vê o filme sem saber desse detalhe não perde nada e muitos acabam concordando que Jimmy teve uma grande atuação. Hitchcock parecia concordar com isso já que, numa das cenas, Stewart disse a ele que se errasse naquele filme seria o maior erro da história, devido ao método de simular um take só, e o diretor disse: "Eu sei. Por isso escolhi você para o papel."

Além disso, é evidente que o que motiva o crime não é tanto "compulsão sexual" e sim mais as polêmicas teorias Nietzchianas. Nietzche era um filósofo tão controverso que muitas idéias suas foram adotadas pela Alemanha Nazista em campanhas contra os judeus, embora ele tenha dito textualmente que todos os anti-semitas deveriam ser fuzilados em paredões. É esse o ponto genial de Festim Diabólico (Hope). Ele não só é um filme que se propõe a discutir as teorias de Nietzche, mas também discute porque as pessoas não o compreendem, daí a relevância da interpretação de Stewart principalmente no final, demonstrando toda a amargura de um professor que vê seus alunos corrompendo seus ensinamentos, o que por sua vez também alça o filme entre os mais inteligentes, ao tratar de forma tão completa, dentro dum espaço físico tão curto, da responsabilidade de um mestre para com seus discípulos.

Ainda em 1948, Stewart estrelou com Joan Fontaine A Conquista da Felicidade (You Gotta Stay Happy), uma screwball comedy de H. C. Potter, numa das últimas tentativas da Universal nesse tipo de produção, sobre um piloto que só quer dormir, uma noiva em fuga, um chimpanzé e um cadáver, entre outras coisas... o filme também não atingiu a bilheteria esperada, mas vale a pena ser visto. Dizem que Joan Fontaine convidou Stewart para o filme por ele ter sido o único ator a visitá-la no hospital quando ela teve um filho. Fontaine faz uma rica herdeira que foge na noite de núpcias e acaba se envolvendo com Stewart, um piloto comercial que faz uma escala no hotel dela. Juntos com o co-piloto, Eddie Albert, eles embarcam no avião do protagonista em uma viagem cheia de imprevistos. O filme vale mais como comédia do que como romance, inclusive devido as várias subtramas que se sucedem no decorrer da história. Jimmy, pela primeira vez após servir na Força Aérea, faz papel de piloto, coisa que seria comum daí por diante. A aviação foi uma das grandes paixões de sua vida. Curioso também é ver Eddie Albert num papel bem semelhante ao que faria anos depois em A Princesa e o Plebeu (Roman Holiday), como o amigo de Gregory Peck, e também tendo que ajudá-lo a lidar com outra bela rica e fugitiva: Audrey Hepburn.

You Gotta Stay Happy

Já o tão almejado reconhecimento do talento do astro pelo público do pós-Guerra viria no ano seguinte.
Em 1949, James Stewart voltou a trabalhar com o diretor Sam Wood em Sangue de Campeão (The Stratton Story), baseado na história real do jogador de beisebol Monty Stratton, um grande ídolo na década de 30, que teve a perna amputada acima do joelho e tenta se adaptar a nova situação com a ajuda da devotada esposa, June Allyson, e da mãe, Agnes Moorehead, enquanto se esforça para voltar ao esporte. O filme fez tanto sucesso que ajudou a redefinir o rumo da carreira de Stewart na década que viria com outros dramas românticos semi-biográficos, alguns também ao lado de June Allyson, que a exemplo de Donna Reed ficou marcada como a "mocinha perfeita", muito por causa da sua química com Stewart. Sam Wood já havia feito outro filme biográfico de muito sucesso sobre outra lenda do beisebol de destino trágico, Lou Gehrig, em Ídolo, Amante e Herói (The Pride of the Yankees), estrelado por Gary Cooper em 1942, e Sangue de Campeão (The Stratton Story) era quase a repetição dos mesmos ingredientes do sucesso anterior, inclusive com a participação de jogadores de verdade em ambos. Por essa expectativa, devia haver uma natural resistência a pôr Jimmy como o protagonista, já que ele não havia emplacado nada de muita repercussão junto ao público desde que voltara da guerra e ainda mais que o filme era feito pelos seus ex-patrões da MGM. Van Johnson e Gregory Peck eram outras opções para o papel, mas creio que a bem-sucedida parceria anterior entre o astro e o diretor em Juventude Valente (Navy blue and gold) pesou na hora da decisão. Stewart acabou prevalecendo e deu show no filme, o qual é menos sobre o amado esporte dos norte-americanos e bem mais sobre as agruras de um atleta lutando corajosamente pra dar a volta por cima. Tanto o filme quanto o ator ganharam o Photoplay Awards, o mais antigo prêmio da história do cinema, dado pela conceituada revista Photoplay através de votação popular.

Ainda no mesmo ano ele faria Malaia (Malaya), de Richard Thorpe, onde voltou a contracenar com Spencer Tracy, o astro do primeiro filme importante do qual participara, Entre a Honra e a Lei (The Murder Man), em 1935. 14 anos depois, eles agora estrelavam um filme juntos. Jimmy admirava tanto Tracy como ator, que teria aceitado um faturamento menor que o do colega, apenas pela oportunidade de trabalhar com ele novamente. Infelizmente o valor do filme é mais histórico, ao tratar de um inusitado fato real, o contrabando de borracha na época da Segunda Guerra, já que o produto começara a escassear no território americano. Um jornalista, Stewart, e um ex-presidiário, Tracy, são chamados pela CIA para trazer a borracha de solo malaio guardado pelo exército japonês. Lionel Barrymore, Valentina Cortese e Sydney Greenstreet, com um papel que lembra sua participação em Casablanca completam o elenco da produção.

Mas o fato mais importante de 1949 ocorreu em 9 de agosto, quando James Stewart se casou com Gloria Hatrick Maclean, uma ex-modelo, a partir de então mais conhecida como Gloria Stewart. Ao que se sabe, Gloria virou a cabeça de Jimmy, já que ele era um solteirão já com seus 41 anos e contabilizava vários casos conhecidos com atrizes famosas. Jimmy não só não se importou dela ser divorciada com dois filhos, Ronald e Michael, como adotou-os e ainda teve com Gloria um casal de gêmeas dois anos mais tarde, Judy e Kelly. Seu casamento foi uma dos raras em Hollywood que se pode afirmar com segurança que realmente deram certo. O astro era tão apaixonado pela mulher que costumava dizer: "Tudo que vc está vendo que eu sou é graças a Gloria."

James Stewart e Gloria hatrick no dia do casamento, 09 de agosto de 1949

A partir daí, parecia que tudo começou a dar certo de uma vez só.

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